COZINHA SEM GLÚTEN COM MISTURAS DE FARINHA SEM TRIGO
Vivem me pedindo dicas pra cozinhar sem glúten no dia a dia e caseira e chegou a hora de falar um pouco do assunto.
Bastam 5 minutos de conversa com pessoas que seguem dietas sem glúten rigorosas pra perceber que pães, bolos, massas e biscoitos gostosos são as preparações que mais fazem falta na vida delas.
Quase todo mundo diz a mesma coisa: que os pães têm jeito de bolo e esfarelam ou são borrachentos, que os bolos costumam ser secos e que os biscoitos são pura poeira, e que nada tem muito gosto. É triste, mas isso acontece bastante, pois não é nada simples conseguir pães, bolos e biscoitos gostosos sem usar farinhas com glúten.
Versões gluten free são e serão sempre diferente das receitas preparadas com farinha de trigo, mas podem ser gostosas também. A gente tem como melhor muita coisa!
De um jeito bem leigo, mas que ajuda a compreender a importância do glúten: ele é uma substância que está presente em alguns cereais, como trigo, centeio e cevada, e tem principalmente 2 proteínas na sua constituição.
Quando elas entram em contato com água, a cadeia do glúten se forma e proporciona maleabilidade, elasticidade e crescimento de uma massa (como pão e bolo) aconteça. E esse fazer acontecer envolve o sabor, o volume da preparação no forno e também depois de assada, influi na textura final e na manutenção das características do pão ou do bolo por um tempo.
Também é muito importante entender que os alimentos que os cereais que contém glúten fornecem carboidratos que são fonte de energia e são ricos em fibras, que são essenciais pro funcionamento saudável do intestino. A maioria das pessoas consome alimentos contendo glúten sem apresentar problemas e vive muito bem assim.
Só que, por motivos variados, o consumo de alimentos com glúten pode provocar algumas espécies de desordem de diversos níveis de gravidade no organismo de pessoas com intolerâncias, alergias e, principalmente, com doenças celíaca e algumas outras também auto-imunes.
As desordens podem causar problemas gástricos dos leves aos gravíssimos, com inflamações e irritações crônicas no intestino, dificuldades na absorção de nutrientes e muitas outras formas de mal-estar.
É por isso que, quando alguém percebe que o consumo de algum alimento pode estar causando qualquer forma de desconforto, deve o quanto antes procurar médicos e nutricionistas que possam avaliar, diagnosticar e prescrever tratamentos.
Só eles podem dar orientações nutricionais e prescrever qualquer dieta, tanto as mais leves, como as ultra rigorosas, e recomendar o corte de qualquer alimento da vida de um paciente. E em qualquer caso desses, o acompanhamento constante desses profissionais é fundamental.
Quer dizer, é totalmente absurdo e não recomendado tomar qualquer decisão por contra própria envolvendo alterações nutricionais importantes e o glúten é importantíssimo. Vale sempre a regra de consultar um profissional da saúde antes de mexer em qualquer coisa ligada à saúde, que é coisa muito séria.
Bom, e diante das dificuldades que aparecem com as dietas envolvendo o glúten, tanto as mais leves, como as rigorosas, vem a Helô, que diz sempre que “boa refeição aquece o coração” e “café, almoço e jantar sempre gostosos devem estar”, fica com o coração partido e quer ajudar.
E que fique muito claro: eu, Helô Bacellar, sou apenas uma cozinheira e escritora, não sou profissional da área da saúde, o que posso é garantir que, com as dicas, ideias e ensinamentos do post de hoje e com as receitas que estão aqui no site, mesmo quem não é muito da cozinha vai descobrir que pode fazer muita coisa em casa e que, preparando os seus próprios alimentos, a vida sem glúten pode ser menos sofrida e mais leve.
Na verdade, não é de hoje que penso com carinho nos celíacos e naqueles que têm intolerâncias ou alergias importantes ao glúten ou que cortam o glúten da vida porque sentem desconfortos gastro-intestinais que atrapalham o seu dia a dia. Penso na relação dessas pessoas com a comida, com a família (que naturalmente se envolve com o tratamento), com o cozinhar em casa, como o comer fora de casa nos momentos de prazer ou nos dias de trabalho em restaurantes ou na casa de amigos.
Comecei a pensar no assunto quando acompanhei de perto uma pessoa muito querida que foi diagnosticada como celíaca e, de um minuto pro outro, precisou seguir uma dieta rigorosa e restritiva de glúten. De repente, médico e nutricionistas falando sobre:
- a seriedade da doença e os riscos e a gravidade dos problemas que podem surgir se o glúten (presente no trigo, na cevada e no centeio) continuar a ser consumido;
- a presença do glúten nos alimentos;
- os cuidados nas escolhas dos ingredientes do segundo do diagnóstico pra frente, já que muitos deles fazem parte da vida da maior parte das pessoas;
- o conceito da contaminação cruzada;
- a nova forma de viver diante do tratamento e os novos hábitos;
- a importância do rigor no cuidado com o preparo e o consumo dos alimentos;
- os produtos sem glúten encontrados por aí;
- e terminando com uma lista assustadora de “não pode isso e não pode aquilo”.
O susto de todo mundo que passa por isso é gigante, vêm o desespero do mundo desabando, os medos imensos da vida estranha que começa de um jeito brusco e de enfrentar um tratamento radical e cheio de privações na alimentação e no convívio social.
As explicações que vêm em seguida só aumentam o desespero, a intolerância zero começa na hora, de um minuto pro outro também passa a ser obrigatório verificar cada palavra dos rótulos de cada produto que se pensa em consumir.
O motivo? Deixar de consumir qualquer que com indicações de “contém glúten” ou “pode conter glúten ou pode conter traços de glúten”, que são bem mais comuns do que a gente imagina e aparecem em coisas que aparentemente não teriam ligações com o trio de cereais.
Por exemplo, muitas marcas (mas nem todas) de ketchup, mostarda, shoyu, bala de goma e achocolatados colocam as indicações nos rótulos porque usam trigo como espessante.
Depois vem a tal da contaminação cruzada, que é realmente perigosa e dificulta a vida de um jeito gigante. Ela acontece quando um alimento que não contém glúten é processado num ambiente ou usando maquinário ou utensílios que tenham entrado em contato direto ou indireto com trigo, centeio ou cevada e, assim, meio que absorve as micropartículas de glúten e vira “perigoso”.
Assim é com o milho e a aveia processados em moinhos que também são usados no processamento do trio de cereais. Na época da colheita do trigo, o moinho faz farinha de trigo e, na entressafra, ele processa aveia em flocos grossos, finos ou farinha e, no mesmo ambiente, fazem fubá, farinha de milho e flocos de milho do cuscuz nordestino.
A solução: só comprar aveia – e produtos até de milho – de marcas confiáveis e que certifiquem que os produtos não contêm glúten, ou seja, são processados em moinhos não utilizados pra trigo e com armazenamento em áreas totalmente distintas.
Possível? Sim, hoje existem várias marcas que processam e comercializam aveia pura e sem glúten, mas tudo se complica e os preços sobem.
Em minutos, a cabeça vai pros pães de queijo, biscoitos de polvilho e bolos de fubá do mercado ou da padaria, mas logo entendem que os comprados prontos acabam na lista de “não pode” por possível (e bem provável) contaminação cruzada na produção, no armazenamento e até nas prateleiras e nas vitrines.
Num lugar que trabalha com produtos com glúten e sem glúten, acaba acontecendo de alguém se distrair e polvilhar com farinha de trigo uma fôrma de bolo de fubá ou de fritar um bolinho de arroz sem trigo num óleo que também foi usado pra fritar outros salgados com trigo ou de um molho ou de uma sopa engrossados num restaurante com um pouco de farinha.
Acontece porque é o normal, só mesmo negócios muito grandes conseguem manter cozinhas com utensílios separados e funcionários com uniformes diferentes pra produtos com e sem glúten.
Então, no desespero, as pessoas saem das consultas atrás de padarias e lojas especializadas em dietas especiais ou de pães, bolos, biscoitos e massas e farinhas pra cozinhar sem glúten e compram montes de coisas. Só que, quando experimentam, as tristezas e decepções ainda aumentam, poucos produtos são ok, muitos são sofríveis e muitos são horríveis.
Também acontece muito da pessoa ir pra cozinha usando alguma farinha sem glúten do mercado ou apenas trocando numa receita a farinha de trigo pela de arroz ou pela maisena ou pela farinha de amêndoa e chegar a resultados nada emocionantes. Desânimo total.
Desde o final de 2009, quando abri o Lá da Venda, eu tinha uma preocupação gigante com os preparos do pão de queijo, do bolo de fubá e do bolo de milho, que não levavam nada de trigo nas listas de ingredientes, mas podiam conter traços de glúten por contaminação cruzada. Sabia que isso frustrava as pessoas que seguiam dietas sem glúten rigorosas, mas não tinha como ter duas cozinhas.
Mas foi só em 2016 que eu realmente comecei a pensar na cozinha caseira sem glúten com mais profundidade e fui tentar entender melhor os ingredientes, as técnicas e as receitas. Li muito, estudei bastante, cozinhei muito e cheguei a várias receitas boas.
Até que, no começo de 2020, conversando com a Paula Rizkallah, do Tá na Mesa/Atelier Gourmand e que, naquela época, estava com uma parceria sobre alimentação com a Clínica Einstein, falei que gostaria de mostrar uma pesquisa que eu tinha feito sobre cozinhar em casa sem glúten.
Eles se animaram com a ideia e eu fui pra cozinha de novo e, no final, fiquei com aquela sensação boa de ter feito um trabalho gratificante.
Desde o primeiro segundo das conversas com a equipe da Clínica Einstein, deixei claro que a parte técnica e de conhecimento profundo na área da saúde seria realizada pelas nutricionistas e médicos envolvidos no projeto e especializados em doença celíaca e outras intolerâncias, alergias e irritações relacionadas às questões gástricas e intestinais. Eles escreveriam e seriam responsáveis pela parte técnica com os conceitos e dariam apoio aos pacientes.
Eu me comprometi a seguir com rigor as orientações deles e a minha participação estaria restrita ao papel de cozinheira que, como pesquisadora criteriosa e preocupada com o bem-estar das pessoas com questões relacionadas ao glúten, desenvolveria receitas com ingredientes apropriados à dieta e apresentaria os resultados na publicação.
Tinha como meta conseguir receitas caseiras gostosas e fáceis de preparar pra deixar a vida mais gostosa e menos sofrida. Afinal de contas, como sempre, cozinhar em casa é a opção mais gostosa, mais saudável, mais simples, mais segura e econômica, ainda mais no caso das dietas rigorosas.
Então, junto com a minha querida Ana Bacellar, fiz uma pesquisa gigante, passei horas conversando com a equipe do hospital, estudei demais, testei muito, experimentei mil possibilidades, errei, fiquei triste e fiquei feliz, não foi fácil chegar ao que queria.
Foi um desafio conseguir um pão saboroso e que valesse cada mordida. Ia atrás de receitas, achava muitas que prometiam o tal pão, começava a testar, vira e mexe me decepcionava, mas também encontrava boas dicas, ideias e métodos e acabava juntando de tudo um pouco pra chegar a uma boa versão.
Essa versão ia pras nutricionistas, que verificavam os ingredientes e as particularidades da receita, faziam sugestões, aprovavam ou não, então fazia os ajustes, depois escrevia e preparava de novo pra fotografar.
Deu muito trabalho, mas eu aprendi demais e sem tamanho a satisfação só de imaginar o bem que o trabalho fez pra tanta gente.
O fato é que recebi nem sei quantas mensagens falando sobre perda do medo de cozinhar com ingredientes diferentes e com outros métodos; sobre o novo olhar pros pães, bolos, massas e biscoitos; sobre entender que cozinhar em casa é a melhor forma de seguir as dietas rigorosas com segurança, comendo melhor e tendo pelo menos um pouco de prazer à mesa e passou a ter uma vida mais leve.
Enfim, de alguma forma, acho que consegui alimentar o corpo e a alma de pessoas que só queriam comer fatias de pão com gosto de pão e de bolo com gosto de bolo. Isso não tem preço.
Agora, passados mais uns anos, pensei ainda mais sobre tudo isso, experimentei mais, aprendi mais e cheguei ao post de hoje com mais técnicas e dicas sobre a cozinha sem glúten.
Aqui Na Cozinha da Helô já existe uma quantidade grande de receitas “sem glúten”, só buscar “sem glúten” na barra de pesquisa ou entrar na aba receitas e descer até a categoria receitas sem glúten e sem lactose pra ver o tanto de coisas que logo vêm.
Por exemplo, só de bolo a gente tem o bolo de fubá da minha avó, o bolo mármore amarelo e branco de fubá, o bolo de milho fofo e amarelinho de liquidificador, bolo pamonha de milho verde e o bolo de mandioca simples e só de misturar. E assim acontece com muitas outras coisas.
Junto com o post de hoje, coloquei no site mais algumas receitas bem especiais, que valem pro café da manhã, pro lanche, como sobremesa ou acompanhamento de um almoço ou de um jantar: bolo amanteigado de baunilha sem glúten, um bolo de chocolate sem glúten delicioso, pão de aveia e amêndoa sem glúten, panqueca sem glúten de fubá, focaccia sem glúten com alecrim, quiche de cebola caramelizada sem glúten e coxinha de mandioca deliciosa sem farinha. E prometo que, aos poucos, vou colocando várias outras.
Despertando esse fazer em casa, mesmo que com ingredientes não tão comuns e com métodos um tanto diferentes, a vida na cozinha vai ficando mais divertida.
PRA COMEÇAR NA COZINHA SEM GLÚTEN
Antes de ir pra cozinha, tenho que falar de novo, principalmente pensando em quem sofre de questões de saúde envolvendo o glúten (mas isso também vale pra quem simplesmente decide cortar o consumo de alimentos com glúten da vida, e tem bastante gente vivendo assim hoje em dia): só a sua equipe médica analisando o seu caso específico pode indicar a sua dieta e dizer o que você pode consumir e te orientar sobre escolhas, compras, armazenamento de ingredientes, local e formar de preparar, os utensílios e equipamento necessários e as formas seguras de consumir os alimentos. Não se arrisque!
Aqui passo ideias e noções gerais, mas cada caso é um caso, as coisas mudam e evoluem, alergias e intolerâncias muitas vezes aparecem sem muitas explicações e de um momento pro outro, ingredientes tranquilos pra uns podem não ser pra outros, ingredientes e marcas novas aparecem sem parar. Vou sempre me atualizando, mas é impossível estar sempre por dentro de tudo.
As limitações pela intolerância ao glúten atrapalham o dia a dia em casa e o convívio social, é fato. Sair pra comer na casa de alguém passa a ser complicado, almoço em dias de trabalho fica limitado às marmitas e sair pra comer fora por lazer também fica difícil.
Isso acontece porque, pra seguir uma dieta sem glúten, é importante garantir que o alimento seja preparado num ambiente livre de cevada e de centeio e com o menor risco de contaminação cruzada.
Ou seja, não basta olhar pros ingredientes e pra receita, é fundamental pensar nos espaços de preparar e de servir a comida, nos utensílios e nos equipamentos usados, assim como forno, fogão, panelas, pratos, talheres, travessas, geladeira e por aí vem.
Por isso tudo, a melhor forma de viver bem, com segurança e mantendo o prazer de preparar o alimento e de comer é cozinhar em casa.
É delicado e é complicado, mas como as preocupações relacionadas à contaminação cruzada acontecem também na cozinha da casa de um intolerante ou um alérgico, a família e os amigos também precisam se adaptar à rotina sem glúten. Conversar muito com equipe de saúde, com a família e com os amigos é fundamental.
Adaptar a vida real a uma dieta rigorosa sem glúten é difícil, e isso tanto por hábitos, como por espaço e por complicar a vida da casa e em família, mas é fundamental reorganizar tudo e separar e isolar na despensa os ingredientes com glúten e os sem glúten e evitar ao máximo cozinhar alimentos com e sem glúten ao mesmo tempo nos mesmos lugares ou em lugares próximos.
É preciso pensar nas bancadas de trabalho, nos equipamentos como forno, fogão e geladeira, nos eletrodomésticos como liquidificador, batedeira, torradeira e mixer, nos utensílios como, por exemplo, panelas, facas, espátulas, tigelas de preparo, potes de mantimento, pratos, copos e talheres.
Tudo tem que ser muito higienizados com produtos e métodos adequados (o profissional da nutrição vai orientar).
Um forno usado pra assar um bolo com glúten precisa ser muito bem higienizado antes de receber um bolo sem glúten, a mesma coisa vale pra bancada e pra qualquer outra coisa na cozinha e também nos locais de armazenamento, como armários e prateleiras.
Parece exagero, mas não é, a contaminação cruzada acontece e, pra uma pessoa celíaca ou com alergia grave, até o óleo reaproveitado de uma fritura de uma receita que levou um ingrediente com glúten pode ser fatal.
E parece impossível, mas dá pra se adaptar e é importante pensar que as pessoas queridas se envolvem e ficam felizes quando percebem que a qualidade da saúde do intolerante, do alérgico ou do celíaco melhorou. E, fazendo receitas gostosas, a família inteira come de um jeito mais gostoso.
OS INGREDIENTES DA COZINHA SEM GLÚTEN
A escolha, a compra e o armazenamento dos ingredientes são é a base de todo o rigor com a dieta restritiva ao glúten e merecem muitos cuidados.
Quanto menos processado o ingredientes, mais fácil a escolha e maiores as chances dele ser saudável. Quanto menos produtos com composições misteriosas, melhor. Quanto maior a certeza de boa procedência, ainda melhor.
Conferir rótulos é procedimento de sempre, é passar a viver quase que como um detetive com lupa conferindo cada palavra, por menor que seja a letra impressa (às vezes, é bem difícil, mas hoje o google resolve).
Sempre conferir se os cereais, grãos, sementes, féculas e amidos foram processados em ambientes não contaminados por produtos que contenham glúten.
Por exemplo, a aveia, tanto em flocos grossos, como finos ou farinha, e os flocos de milho naturalmente não contém glúten, mas são muitas vezes processados em moinhos também utilizados para trigo, centeio e cevada e sofrem por contaminação cruzada. Por isso, sempre optar por produtos de marcas confiáveis e certifiquem os seus produtos como “sem glúten”.
Como as farinhas são finas e acabam se espalhando pelo ar sem que se perceba, as compras de produtos a granel em empórios que expõem e vendem produtos abertos são sempre arriscada, preferência sempre a tudo que vem embalado a vácuo pelo fabricante.
Quando estava pesquisando sobre como cozinhar sem glúten de um jeito não muito complicado e com bons resultados, logo entendi que o grande problema está na impossibilidade de simplesmente trocar a farinha de trigo por alguma outra.
A farinha de trigo é complexa e têm várias características com funções diferentes e consegue, sozinha, dar elasticidade, volume e leveza a um pão ou a um bolo. Não existe farinha ou produto natural que isoladamente aja e reproduza os mesmos efeitos do trigo ao longo de todo o processo de preparo de uma receita.
As outras farinhas de cereais, leguminosas e oleaginosas, féculas ou amidos não têm as mesmas características e precisam ser combinas pra que, no final, a receita tenha volume, leveza, elasticidade, expanda o necessário e mantenha o formato e a consistência depois de assada.
A gente só consegue bons resultados quando usa misturas equilibradas de farinhas, féculas, amidos ou grãos que, contribuindo com as suas características, cumprem em conjunto o papel que o trigo tem numa receita. Um ingrediente faz com que uma massa ganhe volume, outro faz com que ela tenha leveza ou que se sustente e assim por diante. E, por mais triste que seja, a verdade é que nenhuma mistura consegue reproduzir com perfeição o que o trigo faz sozinho.
É por isso que não adianta apenas “trocar” o trigo por farinha de arroz ou de aveia ou de amêndoa, ou por só fécula de mandioca ou de batata ou amido de milho, ou só polvilho doce ou azedo. Nenhuma é completa e sempre vai ficar faltando alguma coisa na receita (ou elástica demais, ou pesada, ou sem estrutura).
Quando se combinam farinhas e ingredientes, é preciso juntar pelo menos 2 (normalmente 3) que tenham características diferentes, além de aditivos para potencializar algumas dessas características e estabilizar a receita. Só misturar sem analisar as características de cada um e as necessidades da receita escolhida e, além da escolha, também é necessário dosar as quantidades.
As misturas prontas são meio que genéricas, meio que um mix que não considera que pães, bolos e biscoitos são diferentes e precisam de fórmulas diferentes, por isso nem sempre funcionam bem. Já existem alguns produtos derivados da mandioca (mas que não são nem polvilho, nem tapioca) que dão bons resultados pra algumas receitas, vale testar e ficar sempre de olho, pois novidades aparecem sem parar.
O que, por exemplo, é bom pra um pão, que depende de fermentação e leva fermento biológico, não é pra um bolo, que tem estrutura diferente e é feito com fermento químico e, às vezes, também com bicarbonato de sódio ou pra apenas fazer uma massa.
Além de não serem tão eficientes, ainda tem a questão daquele mistério de nunca se saber exatamente a composição, sempre tem algum conservante meio estranho ou algo ainda mais incerto.
O fato é que experimentei algumas marcas de farinhas sem glúten, umas até ok, mas nenhuma delas eu amei. Resolvi, então, preparar a minha. Foi trabalhoso, experimentei várias fórmulas com ingredientes e proporções diferentes e, no final, cheguei a duas misturas, que chamei de Mistura A e de Mistura B (tinha que inventar e achei que seriam práticos) e que servem pra receitas diferentes. Ainda tentei juntar tudo numa misturo só, mas não deu certo mesmo.
Pergunta comum: mas qual a diferença de usar direto os mesmo ingredientes na hora de fazer a receita sem ter que preparar uma mistura antes? Os cálculos se complicam, as misturas têm que estar muito homogêneas e alguns ingredientes, como goma xantana e pectina, entram em quantidades tão pequenas na receita básica que fica complicado pensar em dividir ainda mais.
Nem todas as receitas sem glúten daqui do site começam com elas, algumas levam combinações específicas, mas elas são bem úteis e versáteis.
E uma pergunta básica: dá simplesmente pra substituir o trigo pela mesma quantidade da mistura e sempre vai funcionar? Muitas vezes funciona, mas nem sempre, pois a cozinha sem glúten é bem específica, só testando pra saber e, se for o caso, fazer ajustes.
O importante é ter consciência de que dá pra conseguir bons resultados, mas que as comparações com as versões com glúten acabam frustrando, é preciso mudar as expectativas.
Já entendi que a troca do trigo pela Mistura A costuma dar certo em muitos bolos, biscoitos, panquecas, pãezinhos rápidos (como os de minuto), mas só trocar o trigo pela Mistura B em receitas de pão é mais complicado, pois as receitas sem glúten de pão são bem específicas.
O preparo das misturas é bem simples e pode ser feito com antecedência, pois dá pra guardar num pote fechado por até 1 mês e usar em várias receitas. Pra organizar, só separar um pote pra cada uma, etiquetar (elas são muito parecidas de olhar, quase impossível dizer qual é A e qual é B, fechar bem e usar.
Mais simples fazer mais ou menos 1 kg de mistura de uma vez e ter a base pronta pra usar durante 1 mês no máximo, já que a partir desse tempo ela começa a perder a força. Por isso, também, é que não adianta fazer quantidades maiores de uma vez.
Apesar de fácil, o preparo das misturas merece bastante cuidado, é preciso seguir o passo-a-passo com rigor e respeitar as quantidades usando uma balança, sem arredondar e sem substituir ingredientes, pois cada um tem uma função e manter as proporções é essencial. Depois que tudo entra na rotina e os ingredientes viram “de sempre”, tudo se resolve em pouco tempo e sem complicações, garanto.
Pra facilitar a vida, em cada receita preparada com Mistura A ou com Mistura B aqui no site, repeti as quantidades o modo de fazer cada uma delas no seu post, mas dando sempre a quantidade total de mistura pra fazer sem dividir, depois separar o necessário pra receita específica, depois guardar o que sobrar pra uma outra receita. As fórmulas serão as mesmas e, fazendo assim, ninguém vai precisar fazer contas e nem sair do post da receita escolhida e vir até o post de hoje pra buscar as quantidades.
Sobre bolos, panquecas e pãezinhos rápidos: as massas comuns costumam ser preparadas e levadas direto pro forno (bolos e pãezinhos) ou pra frigideira (panquecas) e isso também acontece com as versões deles sem glúten. O fermento químico, que é composto por mistura de bicarbonato de sódio (libera dióxido de carbono), normalmente cremor de tártaro (ácido tartárico) e amido entra em ação com o processo de aquecimento, a massa cresce, firma e fica estável. Os sem glúten ganham os aditivos da Mistura A e tudo funciona.
Os pães com glúten dependem de fermentação com fermento biológico ou natural e, pra que ela aconteça, é preciso dar tempo pra massa fermentar e se desenvolver antes da ido ao forno. Essa fermentação, que acontece a partir do contato de micro-organismos com os açúcares do trigo, costuma se dar em duas ou três etapas e a massa, que pode levar apenas trigo, água, sal e o fermento, já se expande em temperatura ambiente, depois no forno ainda cresce mais, firma e dá pães deliciosos.
Os processos dos pães sem glúten são diferentes, a massa não fermenta, apenas precisa de um descanso rápido, às vezes nem de uma hora, e já vai pro forno. O pão fica gostoso e tem jeito de pão, mas será sempre bem diferente daqueles preparados com trigo ou com centeio. Nas receitas dois pães sem glúten que acompanham o post de hoje (pão de aveia e amêndoa sem glúten e focaccia sem glúten com alecrim) explico o processo.

Ingredientes essenciais na preparação de receitas sem glúten e que fazem parte da Misturas A e da Mistura B:
- Farinhas de arroz branca e integral (dão volume e sustentação às massas);
- Fécula de batata e amido de milho (encorpam e dão elasticidade às massas);
- Polvilho doce (encorpa, dá elasticidade e liga às massas);
- Polvilho azedo (encorpa, dá elasticidade, liga e provoca expansão, por isso é tão importante na Mistura B, que é usada no preparo de pães);
- Goma xantana (um açúcar fermentado por uma bactéria e que dá viscosidade e mantém umidade da massa, fundamental quando se fala em substituição do glúten);
- Whey (proteínas que vêm do soro do leite e que juntas contribuem na estrutura e para dar um pouco de maciez às massas, quase que uma espécie de cremosidade);
- Pectina ((uma fibra encontrada em alguns vegetais que tem características geleificantes e dão viscosidade às preparações e, no caso das receitas sem glúten, ainda age em conjunto com a goma xantana e o polvilho pra estabilizar a preparação depois de pronta, quer dizer, o bolo corre menos riscos de desabar quando sai do forno).
Fubá é ingrediente de sempre aqui no Brasil e dá pra fazer muitas receitas deliciosas com ele, e tanto com o amarelo, que é o mais comum, como com o branco.
Sorte a nossa de ter aqui no Brasil polvilhos bons e com custo baixo, fora daqui as pessoas pagam muito por eles e nem sempre conseguem resultados interessantes. É preciso mesmo ter os dois polvilhos em casa, o doce e o azedo, pois o doce, que tem fermentação muito leve, dá elasticidade, e o azedo, que é fermentado, da elasticidade e faz a massa expandir.
Mas além de flocos de arroz e de milho e das sementes e grãos (gergelim, girassol, abóbora, linhaça, quinoa, chia, amaranto), existem outras farinhas interessantes pra usar em bolos, biscoitos e pães sem glúten, é preciso ousar e testar: farinha de grão de bico, farinha de linhaça, farinha de quinoa, farinha de sorgo, farinha de trigo sarraceno (crepe salgada de trigo sarraceno ou galette bretonne), farinha de pinhão e farinhas de várias oleaginosas (amêndoa, castanha de caju, castanha do Pará/Brasil, nozes).
Os ingredientes que entram nas receitas das misturas são facilmente encontrados em lojas de produtos naturais, grandes supermercados e empórios especializados, tanto em lojas físicas, como na internet. Como já falei acima, o que importa é buscar as marcas que certificam que eles são sem glúten e já comercializados em embalagens fechadas para garantir que os mesmos não tiveram contato com produtos com glúten.
Também é importante dizer que as receitas foram testadas com ingredientes comercializados aqui no Brasil e isso importa porque algumas diferenças entre os produtos que a gente encontra aqui e os de fora realmente existem. São teoricamente sutis, mas algumas peculiaridades podem causar diferenças nos resultados.
A mistura que chamei de A acaba sendo mais usada porque ela entra em receitas com massas não fermentadas, que são mais preparadas no dia a dia, e também entra como um “ingrediente” na mistura B. Ou seja, a mistura B, na verdade, é formada por uma proporção específica da mistura A já preparada com alguns acréscimos específicos da Mistura B.
A lista de ingredientes pra fazer a Mistura A, boa pra usar em receitas com fermento químico como bolos, biscoitos e massas (rende 1 kg de mistura, suficiente pra preparar de 2 a 3 receitas):
- 600 g de farinha de arroz branca (ou metade branca e metade integral);
- 150 g de polvilho doce;
- 200 g de fécula de batata ou maisena;
- 30 g de goma xantana;
- 20 g de pectina
E a lista de ingredientes pra preparar a MISTURA B, boa pra usar em receitas com massas fermentadas com fermento biológico como pães (rende quase 1 kg de mistura, suficiente pra preparar de 2 a 3 receitas):
- 600 g de Mistura A já preparada;
- 90 g de polvilho azedo;
- 150 g de whey proteína isolada
De novo, e isso vale pras duas misturas: os ingredientes têm que ser pesados com balança para que a mistura final seja equilibrada.
Depois de pesados, só colocar os ingredientes da mistura escolhida numa tigela e, usando um batedor de arame, mexer muito bem por uns 2 minutos, ou misturar na batedeira com o aro em velocidade baixa (a batedeira dá resultados mais uniformes, sempre melhor optar por ela). E dica pra batedeira: pra evitar perdas de ingredientes e confusão na cozinha, costumo cobrir a tigela com um pano antes de ligar a batedeira.