O AÇAÍ E O TACACÁ EM BELÉM
Não dá pra não falar do açaí de to tacacá em Belém e eles são o assunto de hoje.
O açaí faz parte da vida do paraense de uma forma realmente intensa, tanto que é chamado de ouro negro da Amazônia
As ilhas que ficam em volta de Belém, e que são muitas, todas têm açaizais imensos nas partes mais alagadiças. É enorme a quantidade de gente que vive de catar açaí subindo nas palmeiras com ajuda das peconhas – uma espécie de corda feita da própria folha da palmeira.
Lá em cima, eles cortam os cachos enormes, depois separam os frutos, colocam nas rasas e levam pra negociar na feira do açaí, que acontece num canto perto da Praça do Relógio na parte de trás do Ver-o-Peso.
Ele sustenta e movimenta a vida de muita gente, já que tanto a coleta dos frutos e todo o processo para chegar ao chamado vinho de açaí vendido pelo mundo afora é 100% artesanal.
Dizem que Belém é a cidade que mais consome açaí no mundo, parece que são 200 mil litros/dia. É uma loucura!!!
Essa feira acontece antes do amanhecer. É assim porque o açaí começa a oxidar logo que colhido e a oxidação aumenta quando o frutinho escuro entra em contato com o ar, com diferentes temperaturas e com a luz. Entre catar e dar uma colherada não se deve levar mais o que 24 horas.
É um trança-trança de gente descarregando dos barcos, carregando, passando os frutinhos de um paneiro pro outro e negociando até tudo terminar.
Esse açaí abastece Belém, que consome um absurdo de polpa por dia com máquinas despolpadoras e vendedores de açaí por todo o lado e gente comprando sem parar. O restante do Pará e da Amazônia, que também consomem muito, dos outros cantos do Brasil e do mundo, pois açaí virou febre.
É uma loucura, com açaí virando suco, sorvete e indo pras tigelas sempre fresquíssimo e despolpado na hora ou no máximo com uma pequena antecedência, não mais do que comprar um saquinho e levar pra casa pra consumir em seguida.
Como esse processo é quase impossível de acontecer fora do Pará, a solução é despolpar por lá, congelar uma parte enorme dessa polpa, preservando oba os nutrientes e capacidades antioxidantes, boa parte do sabor, e assim fica possível comer açaí em qualquer lugar e em qualquer tempo do ano.
AÇAÍ SEMPRE
Por tudo isso, amei visitar o “Point do Açaí” com o próprio Nazareno Alves, que sabe tudo e mais um pouco do assunto, e na companhia deliciosa da Joanna.
A gente começou pelo novo Point da rua da Municipalidade, todo envidraçado pra quem passar pela rua ver o processo da lavagem com água filtrada, a despolpa nas máquinas moderníssimas, ao colocar nos saquinhos por funcionários com uniformes impecáveis, perfeição e mega cuidado com higiene e segurança.
Como muita gente comenta sobre a transmissão de doenças pelo açaí, principalmente Chagas, fui tentar entender o que acontece. O Nazareno explicou que, na verdade, o barbeiro não vive na palmeira do açaí e nem liga pra ele, gosta é da palha do paneiro.
Com isso, às vezes acaba se misturando aos frutos e, no enche e esvazia de paneiro, pode picar alguém ou, se o açaí não for bem lavado com água filtrada e escolhido com cuidado, pode parar na despolpadeira e virar parte da polpa, aí também um perigo. Uma boa lavagem e separação dos frutos deixa de lado terra, folhas, galhos e insetos.
O açaí pra quem vai levar pra casa fica numa bancada com muito gelo logo em frente à porta e é um entra e sai de gente impressionante. Essa parte cremosa, grossa, saborosíssima e que é um luxo só, fica quase toda em Belém e sai de lá só pra alguns lugares especiais demais.
A que é um pouco mais fina, mas ainda é grossinha, também abastece Belém, mas grande parte dela é congelada e viaja pra outras cidades do Pará e da Amazônia e alguns lugares que vendem açaís mais especiais pelo Brasil.
A mais rala é quase toda congelada pra virar suco, sorvete e é servida com granola, mel, leite condensado, frutas e muitas outras coisas em tigelas em todos os cantos do Brasil e do mundo.
Sentamos nas mesinhas do térreo desse e tomamos tigelas do açaí mais fresco que é possível ter, maravilhoso é pouco.
Era cremoso como creme de abacate, só que roxo, adoçado com um tiquinho de açúcar mascavo e com amada farta de farinha de tapioca, da paraense, a farinha flocada conhecida por isor que a Manioca vende e é demais de boa, ou de farinha d’água de Bragança do seu Bené, que a Manioca também tem.
No andar de cima, servem peixe frito e charque pra comer com açaí, mas a gente seguiu pras Docas. O Nazareno convidou pra almoçar no “Point Boulevard“, um casarão com portas e janelas altas e lindíssimas e restaurado por ele, mobiliado com um cuidado daqueles, usando madeira de demolição nas mesas e móveis antigos.
O almoço foi ótimo, com unhas de caranguejo e bolinhos deliciosos de maniçoba como tira-gosto, depois peixe frito e de charque, tigelas daquele açaí espetacular e uma farofa divina com farinha de Bragança e, pra arrematar, Brigadeiro de castanha e nibs de cacau de Combu.
MAIS COMILANÇA
O tacacá é uma das instituições de Belém e do Pará e combina com fim de tarde, um pouco depois da chuva. Em todo canto de Belém, há uma barracas de tacacá e só de olhar as filas já dá pra saber se aquela é uma das famosas.
O incrível da receita é justamente conseguir colocar numa única cuia, que nem precisa ser grande, uma quantidade imensa de contrastes, sabores, aromas e ainda provocar sensações diferentes e intensas.
Um bom tacacá é equilibrado em tudo isso, tem tucupi saboroso, temperado e com acidez no ponto certo, jambu na quantidade perfeita pra causar aquele tremorzinho, mas sem deixar que ele mascare todo o restante, goma o bastante pra balancear a consistência e encorpar e camarões suculentos e salgados na medida.
Ou seja, preparar um tacacá como se deve é ciência e tomar um gole desse tacacá é puro prazer.
Cada um tem a sua barraca preferida, mas perguntando daqui e dali pra quem realmente entende do assunto e aprecia um tacacá dos sonhos, as respostas costumam ser os Tacacás do Renato, da D. Maria, do “Lá em Casa” (que além de bom ainda incluia o por-do-sol da baía de Guajará).
Mas há muitos outros, difícil é escolher e, ainda por cima, tomar uma cuia por volta das 18h e jantar umas três horas depois, só não dá pra não experimentar.
Em casa, fiz o meu tacacá, que ficou do meu jeito porque dei umas mudadinhas leves na hora de preparar o clássico, usando tacacá e jambu da Manioca, camarão seco que trouxe de lá as minhas cuias lindas do Ver-o-Peso.
Tivemos um jantar inesquecível no Santa Chicória, recebidos pelo próprio Chef, o Paulo Anijar.
O lugar é uma graça, lindinho demais. Como éramos seis e tivemos que esperar um pouco, tomei de cara uns dois sucos ótimos e dei uma bicadinha em dois drinques ultra refrescantes que os outros pediram.
Uma vez mais, escolher foi complicado, dava vontade de tudo, mas não resisti ao pirarucu de casaca, que estava simplesmente divino e maravilhoso, inesquecível e bem farto, apesar de ser teoricamente uma entrada.
E também gostei de todos os pratos que experimentei, já que quase todos pediram pratos diferentes.
No “Buiagu“, que fica num hotel moderno instalado num casarão antigo maravilhoso e todo restaurado, em frente à praça que dá na entrada do mangal das Garças, comi um pirão de arraia com tucupi inesquecível.
Falando em Mangal, acho que vale mesmo a visita, pois é um parque lindo e com um mirante fácil de subir e com uma vista linda de Belém e dos rios que banham a cidade.
Eu me apaixonei pelos guarás vermelhíssimos e, apesar de já conhecer as tais garças, não dá pra negar que são lindas.
Acabamos almoçando no restaurante que fica dentro do parque, o “Manjar das Garças“, com boa comida, mas sem tanta emoção (talvez no jantar seja mais interessante, pois no almoço é buffet dos fartos).
Mesmo assim, comi um delicioso tucunaré assado com farofa, mais suco de bacuri e, de sobremesa, uma torta também gostosa de bacuri, daquelas enfeitadas com jeito de avó.
Queria ter comido mais coisas da Portinha, um micro lugar na cidade Velha que é só uma portinha com um balcão minúsculo com salgados originais e que dão água na boca. Só deu pra experimentar uma esfiha de pato com jambu muito boa, que já é um clássico de lá. Fica pra próxima…
As tapioquinhas, ultra macias do Pará são espetaculares, das melhores que comi na vida, além de lindas, pois muitas vezes chegam à mesa sobre pedaços de folhas verdes, quase sempre de bananeira.
Depois das de Mosqueiro, a Ana ficávamos sonhando com as próximas. Até que, no domingo, a Helena e a Dani pegaram a gente logo cedo e bora tomar café da manhã na Tipioka Gourmet, uma das melhores tapiocarias de Belém. Tem de tudo, da basiquíssima com manteiga, às doces pra quem, como eu, é meio formiga (tem “molhada”, com chocolate, nutella, frutas, geleias e doces,) às salgadas mais simples, como as de queijo cuia, ou queijo e presunto e umas tão recheadas que valem por refeições reforçadas.
Comi duas, uma salgada com queijo cuia, bem gostosa e lindo, já que levava queijo com a goma, ficando crespinha e com a própria tapioca com sabor, e mais queijo derretido por cima, e não tive como recusar uma “molhada”, que amo.
Num outro dia, a gente foi à Tapiocaria do Mosqueiro de Belém e comeu mais duas, sempre ótimas.
Também deu pra experimentar o famoso “bolo podre” do Pará, feito com a tapioca isopor hidratada com leite de coco e açúcar, às vezes também leite condensado, e coco fresco ralado por cima. Fiz a receita em casa, só deixando mais mole pra comer de colher e, como finalizei com coco tostado na frigideira, chamei de creme gelado de tapioca e coco dourado.
Dos imperdíveis, não tive tempo mesmo de ir à Maloca do Orlando, que todo mundo diz que tem comida boa e fica num rio bonito, uma experiência daquelas. Bom motivo pra voltar.
Se você quiser saber mais sobre a viagem, leia também os posts Belém é o máximo 1 (a viagem), Belém é o máximo 2 (Ilha de Mosqueiro), Belém é o máximo 3 (açaí e tacacá), Belém é o máximo 5 (cacau da Amazônia em Combu) e Belém é o máximo 6 (farinha de Bragança).