Texto Flávia G.Pinho e fotos Caio Ferrari
Dia desses, diante de uma banca de frutas e legumes no mercado de peixes de Ubatuba (SP), presenciei a conversa entre uma cliente e a feirante. Com um cacau nas mãos, a moça perguntava como se comia aquilo. Curioso constatar que o cacau é tão desconhecido, apesar de fazer parte da vida de tanta gente na forma de chocolate. Fora das regiões produtoras, onde existe mais intimidade com a fruta in natura, a maioria dos brasileiros nunca viu um cacau inteiro e, se viu, nunca experimentou.
Gostoso que só
Suculenta e branquinha, a polpa do cacau é uma delícia. Quando a casca bem grossa é partida, geralmente a golpe de facão, vê-se um arranjo caprichado de bagos, todos coladinhos. Dentro de cada um, há uma amêndoa – e são elas que darão origem ao chocolate. Já visitei muitas fazendas de cacau, tanto no sul da Bahia quanto no Pará, e lá é comum o consumo da fruta como ela é. As donas de casa recebem a gente com suco de cacau geladinho, servido na varanda, ou com mel de cacau, uma verdadeira iguaria que a gente já consegue comprar aqui no Sudeste, em garrafinhas congeladas – trata-se do líquido doce e espesso que escorre da polpa, delicioso para beber puro ou fazer drinques.
Mas e o chocolate com isso? O processo de produção começa lá nas fazendas, logo após a colheita. Os colhedores de cacau abrem os frutos no meio da plantação e removem as cascas ali mesmo, para que não precisem transportar peso à toa. As amêndoas, ainda envolvidas pela polpa, são então transportadas para grandes cochos, caixas de madeira onde vão fermentar – os produtores cuidam bastante dessa etapa porque, dela, depende o desenvolvimento de boa parte dos aromas do cacau. Após alguns dias, a polpa praticamente desapareceu, revelando as amêndoas que, a partir desse momento, terão de secar.
Quem assistiu à novela Renascer, gravada em Ilhéus (BA) nos anos 1990, deve lembrar das bonitas imagens das barcaças, grandes plataformas com telhados móveis que deslizam sobre trilhos. Neles, as amêndoas secam ao sol e vão sendo reviradas, com ajuda de grandes rodos – à noite, ou sob chuva, é só cobrir de novo. Já existem estufas mais modernas, com coberturas plásticas transparentes, mas as barcaças ainda são bastante usadas no Norte e no Nordeste.
QUASE CHOCOLATE
Depois de secas, as amêndoas são torradas (o cheirinho bom de chocolate começa a aparecer) e trituradas para remoção das cascas. O miolo que sobra vai então ser moído – o teor de gordura é tão alto que, em vez de pó, o resultado é uma pasta grossa e muito perfumada, que depois será separada em dois produtos, a manteiga de cacau e a torta de cacau, ambos usados na fabricação do chocolate. E os nibs? Bem amarguinhos, eles viraram mania entre os confeiteiros e não passam do miolo das amêndoas, sem as cascas, antes de passar pela moagem.
Entender todo esse processo é importante para compreender o que é o chocolate bean to bar. Os profissionais que fazem parte dessa escola não compram chocolate pronto para derreter – adquirem as amêndoas secas e, artesanalmente, cuidam de todas as etapas a partir da torra. Da amêndoa à barra.