A TORRA DO CAFÉ
Texto Flávia G Pinho e fotos Caio Ferrari
No último post (o primeiro desta série – QUE TAL UM CAFEZINHO?), prometi que falaria agora sobre a fama dos cafés arábica. Mas resolvi mudar a ordem dos textos e, antes, escrever sobre um tema ainda mais fundamental para entender o universo dos cafés especiais: a torra.
Quem já observou com atenção a prateleira de uma dessas cafeterias da nova geração deve ter reparado que as embalagens exibem o padrão da torra – geralmente, ela é classificada como clara, média ou escura. Trata-se de uma novidade e tanto no universo do café, sobretudo aqui no Brasil, onde a gente se acostumou a classificar o café de duas maneiras: forte ou fraco.
Para entender essa mudança de conceito é preciso voltar um tantinho no tempo. Por muitas décadas, séculos até, o Brasil foi conhecido por ser um grande produtor de café, mas o foco era sempre a quantidade – sabia-se muito pouco sobre qualidade, manejo no campo e técnicas de beneficiamento. Foi só no começo do século XX que os cafeicultores brasileiros começaram a aprimorar sua produção, mas os melhores grãos eram quase inteiramente destinados à exportação.
O queimadinho que satisfaz
Para o mercado interno, só ficava o que havia de pior: grãos defeituosos, frutos verdes e maduros colhidos juntos, muitas vezes misturados a galhos, folhas e sabe-se lá o que mais. Como fazer esse produto tão ruim virar algo palatável? Torrando bastante. Não é por acaso que muitas marcas de café, até hoje, estampam as expressões “forte” ou “extra forte” nas embalagens. O brasileiro formou seu paladar bebendo esse café que, de tão torrado, adquire sabor amargo – e pede colheradas generosas de açúcar.
Quando a gente se embrenha pelo Brasil profundo, o café ultratorrado ainda domina. Os grãos são torrados a partir de métodos rústicos, que não permitem qualquer controle da temperatura.
Aqui mesmo, em São Luiz do Paraitinga, cidade paulista onde eu e Helô moramos, resiste o hábito de já servir o cafezinho bem doce. Tem até quem prefira passar o café com caldo de cana no lugar da água quente, o chamado café de garapa – dá para imaginar como é doce?
Menos torra, mais aroma
Nas cafeterias dos grandes centros, porém, a tendência é que os grãos especiais passem por torras mais claras. Elas não mascaram as características sensoriais do café e ainda ajudam a realçar a doçura natural da bebida, que acaba não precisando de açúcar. A diferença, a gente não nota somente na boca: ao ser coado, o café de torra clara ou média também gera uma bebida de tonalidade clara, mais próxima à do chá.
O padrão de torra é algo tão importante para os amantes dos cafés especiais que a profissão de torrefador ganhou outro status. Ele (ou ela) geralmente atua em estabelecimentos bem pequenos, trabalha com microlotes de cafés e desenvolve, para cada um, o tipo de torra ideal.
Recentemente conheci um grupo muito especial, o coletivo feminino Minas que Torram (@minasquetorram), que reúne cinco microtorrefadoras de São Paulo: cinco mulheres que só compram cafés produzidos por mulheres ou, no máximo, por famílias onde a mulher tem o direito de ser protagonista. Todos os meses, elas lançam uma caixa com cinco diferentes cafés, sempre torrados por elas – um jeito divertido de aprender mais sobre o assunto e acostumar o paladar a essa novidade.
Na semana que vem, sem falta, o assunto é o café arábica, que ainda domina o mercado dos cafés especiais, mas já não está sozinho.
Gosta de cozinhar com café? Aqui Na Cozinha da Helô tem bolo de chocolate e café bem macio, pudim de pudim de café com leite de antigamente e bala de café de antigamente.
Pra saber mais sobre a Flávia e o Caio, só espiar os perfis @flaviagpinho e @caio_a_ferrari no Instagram.
2 Comentários
Querida!
Que delicia de matéria, parabéns!
Senti o cheirinho da torra de café da minha tia. O sítio! Que saudade
Beijos
Ari
Ari, boa tarde!
Vou contar pra Flávia, que escreveu a matéria, e ela, com certeza, vai ficar muito feliz!
A Flávia é uma jornalista incrível, escreve de um jeito delicioso e com muita seriedade.
Bom demais sentir o cheiro da torra do café!
Abraços, Helô