RECEITA DE MARMELADA
Hoje é dia de preparar marmelada caseira de cortar pra comer com queijo de sobremesa. É puro doce de casa de avó, muita gente pensa nele com carinho e é tão gostoso que vale a corrida atrás do marmelo.
Meu bisavô Amadeu, pai da minha avó Betty, mãe da minha mãe, adorava marmelada e eu me lembro dele comendo marmelada com queijo na cozinha, tanto da que a minha bisavó Mira fazia, como da lata redonda baixinha, que naquele tempo era da Cica.
A Cica acabou e eu, que amo marmelada, quando não tenho da caseira, vou atrás da mineira São Gonçalo, que é bem artesanal, deliciosa e vem numa caixinha de madeira muito fofa (tenho até uma na prateleira da cozinha) ou da lata da Doces David de Morungaba.
Mas como gosto de fazer tudo em casa, vou ensinar a receita de uma marmelada feita de marmelo mesmo e que faço quando tenho marmelo por perto. Não é receita da marmelada pedaçuda de cítricos do mundo inglês, nem da marmelada do tipo geleia mais consistente de frutas variadas que os franceses adoram.
MARMELO E MARMELADA
O marmelo – Cydonia oblonga – é o fruto de uma árvore da família das rosáceas. É uma fruta bem nutritiva e com muitas possibilidades, vai em receitas doces e salgadas.
Só que, por incrível que pareça, muita gente aqui no Brasil mal sabe que marmelo existe ou até sabe, mas nunca viu. E dá pra entender, pois apesar de ser uma fruta bem interessante e que dá receitas deliciosas, ela meio que sumiu dos pomares e dos mercados brasileiros.
Tem que ter muita sorte pra achar marmelo por aí e são poucas as marmeladas boas de verdade, não dá pra entender. Hoje, tem marmelo em São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás, mas nem tanto assim.
Mas isso já foi bem diferente. O marmelo veio pro Brasil logo no início com os portugueses e deu tão certo por aqui que fez parte da lista das frutas europeias mais importantes da colônia.
Tinha tanto marmelo no que, nos Fragmentos Históricos e Sermões, o Padre José de Anchieta falava das quantidades gigantes do fruto nos campos de Piratininga, como São Paulo era chamada, e do tanto de marmelada que se fazia naquele tempo. Era tanta marmelada que ela virou produto de exportação e continuou desse jeito por uns séculos, até mais ou menos 1940, depois foi diminuindo, diminuindo e virou quase nada.
Na Arte da Cozinha, que é um clássico do português Domingos Rodrigues, aparece uma receita portuguesa tradicional de marmelada como geleia, e nos livros e cadernos de receita portugueses a marmelada firme aparece muito.
Na verdade, a marmelada é um doce clássico e que sempre foi queridinho não só dos portugueses, mas também dos espanhóis, argentinos, uruguaios, chilenos, bolivianos, colombianos, peruanos, mexicanos que chamam a marmelada de dulce de membrillo, dos franceses que fazem o cotignac e a pâte au coing, dos italianos que adoram a cotognata e dos ingleses e americanos que gostam bastante da quince paste.
Eu acho o máximo esses doces que ficam com ponto mais firme, vão ainda quentes pras fôrmas e, quando esfriam, ficam bem firmes e no ponto de cortar. São os chamados doces de caixeta, que tanta gente faz como goiabada, bananada, marmelada, mangada, laranjada, figada e pessegada.
Os tamanhos das fôrmas variam bastante, do tijolões gigantes pra cortar em pedaços grandes de acordo com a vontade do freguês, aos médios mais comuns, que rendem umas 10 porções, aos pequenos fofíssimos. No Lá da Venda eu vendia umas goiabadinhas que eram muito lindas, 2 fatias no máximo.
Uma vez, no sul da França, comi uma marmelada feita numa forma de empada que era a coisa mais delicada do mundo. Aliás, na França, comi algumas vezes a marmelada da Maison Vieillard, que faz o doce desde 1791, e o cotignac d’Orléans, que é ainda mais antigo e também vem numa caixinha de madeira, da pra sentir o gosto das 3 marmeladas só de pensar …
O MARMELEIRO
Na fazenda, por muitos anos, teve um marmeleiro em frente à janela do quarto dos meus pais, até que ele ficou bem velho, secou e morreu. Depois de um tempo, o Carlos plantou um pé no pomar e é dele que colho os marmelos pra fazer marmelada.
A árvore é pequena e o tronco não é muito grosso, mas deles saem os muito galhos finos, firmes e flexívesi, que são as famosas e odiadas varas de marmelo. Conforme os marmelos vão amadurecendo e pesando, as varas vão ficando arcadas e a árvore se abre como um buquê, só vendo pra entender.
A fruta é meio diferente, parece uma pera achatada, gordinha, bem arredondada e, quando amadurece, fica com a casca bem amarela, lisa e com um perfume delicioso e diferente demais. Esse perfume é tão bom e delicado que, antigamente, era costume colocar um marmelo maduro na rouparia pra perfumar lençóis.
A polpa madura do marmelo é bem dura, mas meio farinhenta e granulosa, como acontece com alguns tipos de pera, é ácida, tem até um toque amargo, e pega na boca por ser bem adstringente. Tem gente que até come a fruta crua, mas não é muito interessante.
O bom mesmo é cozinhar com ela e preparar geleias, compotas e até uma ou outra receita salgada. No meio de ensopados e assados com porco, cordeiro, pato, frango e carnes bovinas.
Parece mágica ver essa polpa meio estranha se transformando em num purê delicioso e lindo, com um gosto que lembra uma mistura de pera e maçã e textura de pera com goiaba, pegando uma cor que vai do rosado ao alaranjado, começando a brilhar e a ficar meio translúcido, de um jeito que quase dá pra ver um pouco do outro lado. A cor do doce depende do ponto da fruta, rosado com frutas mais verdes e alaranjado com as mais maduras.
E quando colher o marmelo? A fruta demora pra se desenvolver e amadurece no outono. Muitas vezes, ela cai de madura, outras a gente dá uma puxadinha e ela se solta, mas o marmelo não pode estar nem verde e com casca grossa e nem mole. Os verdes que caem no chão não costumam amadurecer fora do pé, acabam embolorando, uma pena. Os já macios ficam com gosto de passados do ponto. Quer dizer, os bons ficam amarelos, mas ainda firmes.
Como o meu marmeleiro do pomar está carregado agora no mês de maior e vai continuar assim por um tanto de junho, eu vou colhendo os maduros e aproveitando pra marmelar um pouco por dia (acho que marmelar nem existe como palavra, mas combina com o momento).
Fiz algumas receitas da marmelada de hoje e também potes geleia de marmelo com mel seguindo uma receita que os romanos já faziam; sopa de marmelo em calda com queijo pra servir quente sobre fatias de pão e que aparece em vários cadernos de receitas antigos (a minha avó e a avó do meu marido faziam); torta com especiarias que encontrei numa revista francesa nos lá pra 1995; e marmelos assados pra servir com carnes.
Sinceramente, acho um luxo poder fazer tanta coisa de marmelo. Quem tem sorte de achar pra comprar ou tem um marmeleiro por perto, tem que aproveitar o outono pra colher e fazer doces.
Como o marmelo tem muita pectina, os doces feitos com ele firmam muito e chegam fácil ao ponto de cortar. E, pra completar, é uma fruta muito nutritiva.
A MARMELADA
A marmelada simples e de cortar é fácil de fazer, mas tem os seus truquezinhos, bem coisa de avó e de bisavó.
Como sempre, fui pesquisar nos meus livros e cadernos e depois corri pra cozinha testar.
A maioria das receitas fala pra cozinhar os marmelos inteiros e com casca numa panela com água até cobrir até ficarem muito macios, descartar a água, passar essas frutas pela peneira espremendo bem, voltar com esse purê pra panela, juntar o açúcar e o limão e cozinhar o doce. Acho que funciona e fica bom, principalmente pra quando as quantidades são grandes, pois a fruta não é das melhores de descascar, nem pra descartar miolos e cabinhos.
Mas a verdade é que achei mais saborosa a marmelada que fiz com os marmelos crus direto na panela doce e não cozidos na água, ainda mais pensando num doce feito com 1 kg de fruta, ou seja, com uns 3 marmelo, que rendem mais ou menos 750 g de polpa.
Descasco com o descascador de legumes pra ficar mais fácil e ter menos desperdício de polpa, descarto os miolos e cabinhos com uma faca pequena, pico a polpa em pedaços pequenos. Pro marmelo não oxidar rápido demais, eu pico 1 deles e passo pra panela com o limão, pico o segundo e coloco na panela e depois o terceiro.
Depois, junto o açúcar, um pedaço de canela em pau pra deixar o doce mais saboroso. Misturo até dissolver, deixo em fogo alto até ferver, diminuo o fogo, tampo e cozinho por mais ou menos 30 minutos, até que os cubinhos ficarem e começarem a pegar o rosado.
Então, descarto a canela e bato tudo no liquidificador até conseguir uma pasta grossa (dá pra passar pela peneira, mas dá muito mais trabalho). Volto com o doce batido pra panela e, mantendo o fogo alto e mexendo sempre, cozinho por mais 5 a 10 minutos, até o doce começar a se soltar da panela e a chiar.
Forro um refratário pequeno com filme plástico plástico alimentício ou com papel manteiga do tipo assa fácil, que não gruda mesmo. Despejo o doce quente no refratário formando uma camada de uns 3 cm, deixo esfriar em temperatura ambiente por pelo menos 2 horas, ou até por uns 3 dias. Depois desenformo, solto o plástico ou o papel manteiga e sirvo.
O doce se conserva em temperatura ambiente por mais ou menos 1 semana e por 1 mês na geladeira.
Gosta de compotas e doces caseiros? Aqui também tem receita de goiabada, doce de figo em calda, doce de abóbora com coco simples e doce de leite cremoso e doce de leite talhadinho.
Sinceramente, não sei se, por conta da dificuldade em conseguir o marmelo, você vai conseguir preparar a receita, mas dá pelo menos pra sonhar com o doce de verdade. Se a vontade for muita, a solução é ir atrás de uma boa marmelada num mercado que venda doces tradicionais artesanais.
Gosta de compotas e doces caseiros? Aqui também tem receita de goiabada, doce de figo em calda, doce de abóbora com coco simples e doce de leite cremoso e doce de leite talhadinho. Se quiser, despeje a marmelada quentes em potinhos pequenos, até mesmo em forminhas para empada, para conseguir porções individuais.INGREDIENTES
Preparo
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