COMO FAZER PUDIM ABADE DE PRISCOS
Se você, como eu, gosta de pudim, de doces cremosos e de doces portugueses com muitos ovos, acho que tem tudo pra se apaixonar pelo pudim Abade de Priscos.
O pudim fazia parte da lista de delícias feitas por um Abade, que era da Freguesia de Priscos, bem pertinho de Braga, e ficou conhecido em meados do século 19 por ser um cozinheiro de mão cheia. Só que, apesar de fazer muita coisa boa, só a receita do pudim foi anotada, das outras não se sabe quase nada.
De tão bom que era, o pudim caiu nas graças dos portugueses e virou uma das sobremesas mais tradicionais da região de Braga. Como dizem os portugueses, ele é perfeito pros dias festivos como Páscoa, Natal e outras comemorações.
Na verdade, não tinha como ser diferente: um pudim muito cremoso pela quantidade de gemas, doce pelo açúcar do creme e pelo caramelo, com o gosto e o aroma deliciosos e irresistíveis da canela com limão e vinho do Porto e o aveludado untuoso do ingrediente misterioso da receita, que é o toucinho, e lindo pela cor muito dourada e brilhante que vem do caramelo e do vinho.
Eu me apaixonei por ele há uns 30 anos, numa viagem pelo norte de Portugal. Estava com o meu marido, que tinha um congresso em Guimarães, e a gente foi até Braga se encontrar com uns amigos historiadores que moravam por lá.
De cara, falei que precisava comer o pudim. Na primeira noite, fazia muito frio, a gente foi jantar num restaurante pequeno perto da praça. Eu me lembro do cabrito delicioso, mas o melhor de tudo foi o pudim. Fiquei tão encantada que comi o meu e ainda peguei uns pedaços do prato do Carlos, queria entender tudo.
Como a gente passou uns 4 dias por ali, eu comi vários pudins e fui atrás da receita. Comprei alguns livros e, assim que cheguei em casa, já fui pra cozinha testar.
Fiz nem sei quantos pudins até chegar à versão de hoje. Na verdade, a receita que se espalhou pelo mundo é praticamente igual, mudam um pouco na quantidade de gemas, e eu, pensando no mundo de hoje, só juntei muitas dicas e diminuí um tanto do açúcar pra deixar o pudim mais com jeito de hoje.
OS INGREDIENTES
A lista de compras pra fazer o pudim de hoje:
- açúcar;
- água;
- canela em pau;
- casca de limão;
- toucinho (pode ser defumado, como bacon, mas de um pedaço com bastante gordura, só a parte branca);
- gemas;
- vinho do Porto.
Açúcar, água, canela, casca de limão e gemas são ingredientes bem simples, daqueles que quase todo mundo tem em casa.
O vinho do Porto, que entra pra dar sabor e aroma a muitas receitas, também é fácil de achar, ainda mais pensando que pode ser um básico. Eu, que adoro usar vinho do Porto na cozinha, sempre tenho uma garrafa na geladeira (deixo lá pra durar ainda mais).
O ingrediente diferente da receita é o toucinho. Sim, toucinho mesmo, aquele que se usa pra fazer comida salgada. No pudim, só entra a parte branca, sem o couro e sem a carne. Não fica com gosto de salgado, nem forte, não precisa assustar, o sabor é tão sutil que pouca gente adivinha o ingrediente secreto (dá pra usar manteiga ou banha no lugar do toucinho, mas não é a mesma coisa).
O toucinho quase que derrete enquanto cozinha na calda de açúcar e dá untuosidade e cremosidade ao pudim. Ele tem a mesma função da manteiga no quindim e em outras receitas de doces com ovos que começam com uma calda de açúcar, foi pra panela simplesmente por ser a gordura de uso diário.
Se achar toucinho não muito defumado, apenas curado e nem sempre muito temperado, como acontece com a pancetta, melhor, mas dá pra usar o toucinho defumado e salgado mais comum, como bacon, só descartando couro e todas as partes que ficam perto das camadas de carne.
De qualquer forma, só a gordura branca, sem carne, vai na receita. E já vai uma boa dica: vale cortar essa gordura branca em fatias bem finas, pois elas derretem na calda com mais facilidade e a gente aproveita a gordura ao máximo.
E se não quiser usar toucinho, não encontrar ou se preferir a receita vegetariana, dá pra substituir por manteiga, mas o resultado não será o mesmo.
A receita leva uma quantidade razoável de gemas, mas são elas as responsáveis pela estrutura do pudim. Na verdade, o pudim de hoje tem a estrutura de um quindim, pois não tem leite, nem creme, é gema e pronto.
Importante lembrar que proporção é tudo na maioria das receitas doces e, com certeza, de um pudim. Muito ovo deixa pudim muito firme e pouco ovo não deixa o creme firmar.
As receitas tradicionais de Priscos costumam pedir mais ovos e mais açúcar. São umas 15 gemas, pensando em gemas de uns 20 g, quer dizer, de um ovo médio, pra mais ou menos 500 g de açúcar.
Só que o mundo vai mudando, a gente vai experimentando, retestando, ajustando e sempre tentado deixar a receita melhor. Com esse pudim foi assim. Fiz de um jeito por um tempo, depois diminuí a receita e aumentei de novo, pois achei que fazendo menor o pudim não ficava igual (a quantidade de calda pequena acontecia muito rápido e sem tempo pra chegar aos pontos de aroma, sabor e textura, e diminuí um tanto das gemas e do açúcar.
Fiquei com o mínimo possível de gemas e de açúcar, com menos não dá certo em sabor e em textura. A gente tem que pensar que é um doce português, normalmente doce, mas de vez em quando pode.
Sempre vem uma pergunta sobre a quantidade de água que vai na calda que é a base do pudim. Se a calda tem que ficar mais grossinha, por que é necessário colocar a quantidade de água que está na lista de ingredientes e, assim, só aumentar o tempo de fogo? Com menos água, mais rápida seria a evaporação e a calda chegaria ao ponto mais rápido.
A resposta é: a quantidade de água tem que ser grande justamente pra calda cozinhar no fogo por mais tempo e ter tempo de ficar bem saborosa e aromática com o limão e a canela e, principalmente, pra conseguir que o toucinho dissolva e passe pra calda a gordura que é fundamental pra textura do pudim de Priscos.
A CALDA DE CARAMELO
Eu costumo começar receitas de pudim pelo caramelo, mas pro de hoje eu deixo pra preparar enquanto a calda perfumada amorna e o forno aquece. Mas já vou falar sobre o caramelo.
O processo não é difícil, só pede cuidados, atenção, pois um segundo é o bastante pra perder o ponto, queimar e terminar com ele no lixo.
Importante lembrar que caramelo não é só cor, é sabor, cor e textura. Só com um douradinho o resultado é uma calda muito doce e sem gosto de caramelo.
No ponto certo o sabor de caramelo é delicioso e a cor é linda. E quando escurece demais o caramelo queima, tanto que saem até fumacinhas da panela, e amarga.
Assim que o caramelo chega ao ponto desejado, eu despejo na fôrma do pudim (pra receita de hoje, uma fôrma de uns 20cm), que rende umas 8 fatias, ainda mais pensando num pudim que é mais doce.
Não me preocupo em girar a fôrma pra espalhar, pois ficando no fundo ele naturalmente sobe e se espalha por igual.
Pra dar uma ideia das quantidades de caramelo: pra um pudim pequeno, de uns 20 cm, uso 2/3 de xícara de açúcar, pra um médio, de uns 22 cm, uso 1 xícara de açúcar e, pra um grande, de uns 24 cm, preparo o caramelo com mais ou menos 1 e 1/3 de xícara.
O PREPARO DO PUDIM
O pudim Abade de Priscos é um pudim que fica mais lisinho e com cremosidade, não é pra ter furinhos. Por isso, ele é só de misturar numa tigela com delicadeza, nada de bater no liquidificador e mexer muito (quanto menos se agita a mistura, mais cremoso fica).
Aqui, não tem a polêmica de com ou sem furinhos (falo dela nos posts do pudim de leite de antigamente e do pudim de leite condensado clássico.
O preparo não é difícil, mas tem etapas e precisa de tempo pra chegar ao pudim saboroso, macio e bem brilhante que a gente quer. Como acontece com a maior parte dos pudins, o tempo entre o momento em que se vai pra cozinha e depois pra mesa é grandinho, mas compensa.
Esse preparo se parece com o do quindim e de alguns bombocados: primeiro uma calda feita no fogo e que leva gordura, depois vêm as gemas, então vai pra fôrma (aqui caramelizada), cozimento em banho-maria, depois tempo pra firmar e gelar antes de servir.
Numa panela pequena, aqueço a água, o açúcar, o toucinho, a casca de limão e a canela, mexendo só até dissolver. Deixo ferver por uns 10 minutos, até obter uma calda começando a engrossar.
As bolhas brilhantes e grandes somem e surgem umas bolhinhas esbranquiçadas e que lembram espuma (é um pouquinho diferente do visual de sempre por conta do toucinho).
Um termômetro pode ajudar na hora de conferir o ponto da calda, pois com o toucinho a aparência fica um pouco diferente e não é tão evidente. Conferindo com o termômetro são 103ºC (hoje a gente acha uns bem simples, com preço baixo e que ajudam na cozinha) e, na colher, a calda começa a cair em pingos mais pesadinhos, que não escorrem de uma vez.
Então retiro do fogo e deixo a calda amornar por 10 minutos pra não cozinhar as gemas com o calor.
Enquanto isso, aqueço o forno a 160ºC (médio-baixo, ou até a uns 140ºC quando o forno permite). Como ele precisa ser assado com delicadeza, sigo preparando o banho-maria, que é fundamental.
Pra isso, separo uma assadeira, coloco no fundo umas 2 ou 3 folhas de papel absorvente pra fôrma não pular e fervo um pouco de água pro banho-maria.
Dá também pra cozinhar o pudim em banho-maria numa panela comum e dá muito certo.
Pra fazer no fogão, aqueço uma panela com água de tamanho suficiente pra encaixar a fôrma de pudim, preencho com o creme, depois tampo a fôrma ou cubro com papel alumínio. Pra assar no forno, cobrir não é essencial, mas no fogo sim, já que a quantidade de líquido naturalmente é maior e borbulha mais.
Deixo em fogo alto por 5 minutos pra água ferver, então passo pro fogo bem baixo e continuo cozinhando por uns 45 minutos até firmar.
Desligo o fogo, deixo descansar coberto na panela por 10 minutos, retiro a fôrma da panela com água, deixo amornar pra depois seguir gelando.
Depois de preparar o banho-maria, separo uma fôrma média (uns 20 cm, de média para pequena) e forro com o caramelo, como já expliquei.
Em Portugal, o pudim de Priscos clássico costuma ser assado numa fôrma pra pudim toda canelada por fora e fica lindo.
Como, por aqui, o modelo não é muito comum, a gente assa numa fôrma lisa e pronto. Pudins caseiros costumam ser servidos em fatias, mas em restaurantes e confeitarias é comum preparar e servir pudins pequenos individuais. A receita de hoje rende 8 pudinzinhos, se preferir fazer assim.
Em seguida, quebro os ovos e passo as gemas usando uma peneira deixando cair numa tigela grande (as claras eu guardo e faço um pudim de claras muito leve e delicioso ou uns financiers clássicos ou financiers com pedacinhos de chocolate e ganache de chocolate.). Passo pela peneira fina pra deixar pra trás a película que dá um gosto forte de ovo às preparações e sempre sem ficar raspando com a espátula ou a colher, porque raspando a película acaba passando também.
Depois, misturo o vinho do Porto, mexendo só o suficiente pra incorporar. Passo a calda pela mesma peneira pra descartar o toucinho, as cascas do limão e o pau de canela e mexo de novo.
Despejo o creme na fôrma caramelizada, coloco a fôrma na assadeira do banho-maria e asso por uns 45 minutos até 1 hora. O tempo depende do forno, do desenho e do material da fôrma), até que o pudim firme, fique com a borda bem marcada e doure na superfície, formando uma película (ao enfiar um palito no centro, ele deverá sair limpo.
Só que pudim não é receita pra fazer e comer em seguida. Desenformar quente não dá certo, ele desmonta e, também não tem tempo de desenvolver a textura e o sabor irresistível. Pudim tem que amornar e depois descansar na geladeira por pelo menos 3 horas (mas acho que, com 6 horas, ele fica melhor e, se ficar por 24 horas, ainda melhor, gosto muito mais apurado e textura perfeita).
Mas é bom saber que o pudim fica muito bom por uns 3 dias na geladeira e, por isso, é prático pra receber, só se programar.
Mas não dá pra arriscar com 3 horas? Dá, mas é um risco, e a textura do pudim novinho é bem menos emocionante.
Pra desenformar, solto as bordas externas e próximas ao tubo central pressionando de leve com os dedos pra soltar, então desenformo sobre um prato. Evito ao máximo usar a ponta da faca pra soltar o pudim.
Quando sinto que o pudim não quer sair, mergulho a fôrma por uns segundos numa panela com água fervente e tento desenformar, costuma dar certo. Em último caso: se ele quebrar, não choro, eu já quebrei, coloquei numas taças e servi (pode até não ser tão lindo, mas o gosto é o mesmo).
Como não dá pra cobrir o pudim já desenformado com filme plástico, que gruda e acaba com toda a beleza, eu cubro com a própria fôrma que usei pra assar.
Outras receitas de pudim aqui Na Cozinha da Helô: pudim de leite de antigamente, um pudim caramelizado de maçãs bem francês, pudim de mandioca ou pudim de macaxeira e o pudim de pão da minha bisavó (também leva um pouquinho de vinho do Porto).
Outras receitas de pudim aqui Na Cozinha da Helô: pudim de leite de antigamente, um pudim caramelizado de maçãs bem francês, pudim de mandioca ou pudim de macaxeira e o pudim de pão da minha bisavó (também leva um pouquinho de vinho do Porto).INGREDIENTES
Preparo